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Cidades não estão preparadas para o aumento da população de rua no verão

  • robertojunquilho
  • há 3 dias
  • 4 min de leitura
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Aída Bueno (texto e fotos)


Milhares de turistas são atraídos para as cidades litorâneas da Região Metropolitana da Grande Vitória no verão. Nessa época do ano, também aumenta a quantidade de pessoas em situação de rua, expondo de forma mais contundente um problema antigo: as Prefeituras não têm políticas públicas eficazes para acolher essa população, tampouco para auxiliar na obtenção de trabalho ou incentivar dependentes químicos a receber tratamento adequado.


Ex-subsecretário de Estado de Políticas Sobre Drogas, o psiquiatra Gilson Giuberti Filho é enfático: “Não estão preparadas”. O médico, que hoje atua no Centro Integrado de Assistência Psicossocial (Ciaps) Adauto Botelho, avalia que alguns municípios até têm equipamentos, mas são em número insuficiente. Também faltam profissionais qualificados e entrosamento para conseguir acompanhar a escala da demanda.

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Os números falam por si. Em 2024, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) divulgou dados sobre a população de rua, colhidos junto às prefeituras. Dos 78 municípios, 24 afirmaram não ter pessoas nessa condição. Os demais contabilizaram 6.748 indivíduos em situação de rua. Quatro cidades tiveram o maior uantitativo: Vitória (1.226), Vila Velha (1.079), Serra (942) e Guarapari (948).


O Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) realizou sondagem sobre a população de rua na Grande Vitória em 2018. Na época, identificou os principais motivos que levam uma pessoa a essa condição: problemas familiares (29,6%); uso de drogas ilícitas (17,3%); demissão do trabalho (10,1%); alcoolismo (8,9%) e falecimento de familiares (5,4%). Apenas 3,5% disseram estar na rua por vontade própria.


“O vício é muito forte”


Se o levantamento fosse realizado hoje, talvez encontrasse resultados semelhantes. Felipe tem 36 anos e vive nas ruas de Vila Velha. Passa as noites revirando latões de lixo à procura de latas de alumínio para vender. Usa a maior parte do dinheiro para comprar cocaína.


Natural de Minas Gerais, por iniciativa própria veio para Jacaraípe, no município capixaba de Serra, e se internou em uma clínica de reabilitação. Voltou a consumir cocaína e está há dois anos intercalando entre as ruas e as clínicas terapêuticas – todas administradas por igrejas evangélicas. Quer sair das ruas, Felipe? “Até quero” – responde ele. “Mas o vício é muito forte”, lamenta.

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Pedro quer voltar para casa. Trabalhou na roça dos pais em Simonésia, município da região do Caparaó de Minas Gerais, até ser pressionado a abandonar a bebida. “Crack eu não uso não, tia, só cachaça mesmo”, garante. Tem 29 anos e está há cinco vivendo nas ruas. Diz que se internou em uma clínica terapêutica evangélica em Vila Velha, mas voltou a beber algum tempo depois. Me olha com expressão de criança perdida num parque e sentencia: “É muito difícil largar a cachaça”.


O rapaz vê como única saída voltar para a família, mas não tem dinheiro. Procurou um Centro de Referência de Assistência Social (Cras), mas lá descobriu que Vila Velha não fornece passagem para quem quer voltar para casa. Continua nas ruas. Segundo a Prefeitura do município, a rede de acolhimento possui 71 vagas. Na Serra, a Prefeitura informou que a capacidade de atendimento é de até 80 pessoas por dia.


O psiquiatra Gilson Giuberti Filho avalia que é “bastante difícil se libertar do vício”. Por isso, defende a adoção de diferentes estratégias pelos municípios, inclusive o entendimento da importância das comunidades terapêuticas. “A função delas é desenvolver a habilidade social entre pares. Uma vez na rua, não há essa possibilidade”. Além disso, ressalta o preconceito como um entrave para a reabilitação: “Existe a necessidade de sensibilização da população”.


A indiferença da população com pessoas em situação de rua fica evidente quando se entrevista comerciantes. Na orla da Praia da Costa, quase todos dos que vendem salgados, cocos ou roupas querem distância dessas pessoas. Exceção é Maurício Camilo de Abreu Alves, há 20 anos no calçadão vendendo artesanato e fazendo tererê (trança cabelos com fitas e contas). “Conheço todos eles. Sou firme, mas trato com respeito. A gente não sabe porque eles estão nas ruas. Tem que ter respeito".

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Poucas vagas


As prefeituras admitem a alta do contingente de pessoas em situação de rua no verão. Para atender à demanda habitual, mais a alta do verão, Vitória disse ter atualmente 215 vagas de acolhimento em quatro abrigos, mais hospedagem noturna e abrigo para migrantes, além da Casa República. Não informou o número atual de pessoas em situação de rua, mas observou que, de fevereiro a abril de 2025, foi registrado um aumento de 20,86%, em comparação com dezembro de 2024. Ou seja, some, pelo menos, mais 255,74 pessoas aos 1.226 informados ao MPES em janeiro de 2024.


Ainda sobre números atuais, a Prefeitura de Serra respondeu que 997 pessoas foram atendidas pelo Serviço Especializado de Abordagem Social em 2024. Não forneceu dados referentes a 2025. Vila Velha contabilizou apenas as 635 pessoas inscritas no Cadastro Único do Governo Federal, sem quantificar as que estão fora do CadÚnico. A Prefeitura de Guarapari simplesmente não respondeu.


O levantamento do MPES apontou como principais problemas a ausência de acolhimento institucional (abrigo para pernoite e/ou casa de passagem); precariedade de equipamento e política pública para o segmento e ausência de equipe especializada para atendimento e acompanhamento das pessoas em situação de rua.

 
 
 

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