Conservadorismo, a raiz da violência contra a mulher
- robertojunquilho
- 12 de dez.
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Atualizado: 13 de dez.
Aída Bueno
Mulher de 31 anos tem as duas pernas amputadas após ser atropelada pelo ex-marido e arrastada por um quilômetro embaixo do carro. Professora tem 60% do corpo queimado pelo namorado. Maioria dos jovens brasileiros são conservadores, aponta pesquisa AtlasIntel. Qual a relação entre esses fatos? Especialistas alertam que o machismo está enraizado no ultraconservadorismo, e que só a educação pode mudar esse triste cenário.
Para o psicólogo e professor Felipe Pena, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a pesquisa está inserida em um contexto de violência crescente contra as mulheres, da disseminação de pensamentos como o Red Pill, um movimento misógino que tem atraído cada vez mais adeptos na internet, principalmente entre jovens. E alerta: “O que está por trás dessa pesquisa é a perda de privilégios, de privilégios masculinos, machistas, mesmo”.
Para o psiquiatra e psicanalista Ruy Perini (foto) "o conservadorismo pode ter muitos vieses, que o pior deles é o reacionário"

A pesquisa ouviu 5.510 pessoas de todo o país, usando a metodologia de recrutamento digital aleatório. A margem de erro é de um ponto percentual para mais ou para menos. Indicou que 51% dos Millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e 52% da chamada Geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) se identificam com as pautas da direita. No recorte de gênero, apenas 30,4% das mulheres dessas gerações se dizem conservadoras.
Em entrevista ao videocast Em Detalhes, Felipe Pena lembrou que durante séculos os homens tiveram privilégios de gênero, entre eles o de serem poupados de executar trabalhos considerados femininos. “Se eu pudesse resumir numa frase, eu diria o seguinte: se você não quer que seu filho se torne um fascista, ensine ele a lavar a louça e a jogar o lixo fora”, ensina o professor. Em seguida, avisa que a igualdade de gênero chegou para ficar e assusta a todas as gerações, mas especialmente as mais novas, que não sabem como lidar com isso. “Eles têm medo do sexo feminino, têm medo das mulheres”.
O Brasil em marcha a ré?
Perguntei ao psiquiatra e psicanalista Ruy Perini se essa associação conservadorismo X violência contra a mulher realmente pode ser feita. “Difícil a gente fazer uma relação com certeza, mas eu penso que sim”, opina ele. Mas, pondera que o conservadorismo pode ter muitos vieses, que o pior deles é o reacionário – quem defende princípios ultraconservadores, contrários à evolução política ou social: “Essa visão que se tem hoje, de achar normal o feminicídio, isso é um reacionarismo, passa da visão conservadora”.
“A pesquisa é uma coisa que surpreende. Eu acho mais preocupante do que estranho”, diz Ruy. Ele lembra que sempre houve um respeito mútuo entre as diversas correntes ideológicas no Brasil, direita inclusa. Entretanto, na eleição de 2018 essa relação foi quebrada justamente porque muitos partidários da direita passaram a apresentar comportamentos reacionários. Isso obrigou as pessoas a se afastarem, amizades foram rompidas, famílias divididas. “São pessoas com quem é impossível manter diálogo”, lamenta.
Millennials e a Geração Z se identificam com as pautas dessa direita pós 2018. A pesquisa AtlasIntel mostrou que questões como desigualdade, pobreza, violência policial, degradação do meio ambiente ou aquecimento global não são temas relevantes para a maioria. E, apenas 10,3% consideram o conservadorismo um problema para o país. “Tudo vem de criação, de cultura, tudo vem de uma sociedade que se acostumou com a misoginia, que naturalizou o machismo, e que agora colhe suas consequências”, lamenta Felipe Pena.
As consequências
Em 2024, o Brasil atingiu uma alta histórica, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero: 1.492 mulheres foram assassinadas. Os algozes eram, na maioria, companheiros ou ex-companheiros. O Mapa também mostra que, neste 2025, mais de 1.180 feminicídios foram registrados no país, uma média de quatro mulheres mortas por dia somente em razão de gênero. Outras 33,9 mil foram estupradas até junho deste ano (média de 187 por dia). A contagem segue, o ano ainda não terminou.
Em 1967, a cantora Martinha emplacou um sucesso – Eu te amo mesmo assim. A letra falava de uma mulher que era tratada com desdém por um homem, traída, desprezada, mas insistia no romance porque o amava. “Meu bem, ainda respondo que eu te amo mesmo assim”, cantava ela com voz doce. O poder público investiu em campanhas para conscientizar a mulher a enxergar os primeiros sinais de violência doméstica, criou mecanismos para facilitar as denúncias.
Mas, aparentemente faltava alguma coisa, porque os números de feminicídio caíam em um ano, subiam em outro, até atingirem a marca histórica em 2024. Faltava engajar os homens. O cantor e compositor Luiz Ayrão lançou Bola Dividida em 1975, sucesso tocado nas principais rádios e até hoje cantado em rodas de samba no Brasil. Na letra, exalta a beleza de uma mulher: “É uma morena sensacional, digna de um crime passional, e eu não quero ser manchete de jornal”. Em miúdos, o refrão prega que um homem só não mata o objeto do seu desejo para não se complicar.
Na tentativa de mudar a postura masculina, foi instituído o Dia Nacional de Mobilização dos Homens Pelo fim da Violência Contra as Mulheres, todo 6 de dezembro é desencadeada a chamada Campanha do Laço Branco, com palestras e debates em todo o país. A pesquisa da AtlasIntel e suas implicações, entretanto, talvez indiquem que é preciso intervir mais cedo.
O psicanalista Ruy Perini vai além: é preciso investir não só na formação do indivíduo dentro de casa, nos valores e conceitos passados em família, mas também num modelo de educação universal, abolindo o fosso que existe hoje entre escolas públicas e particulares. Em sua visão, onde há desigualdade educacional, as diferenças persistem em seus vários níveis, o machismo persiste: “Acho que não existe igualdade (entre mulheres e homens) se não existir uma educação igualitária”






Junquilho, meu caro. O texto que eu te enviei não é este.