Tarifa zero ganha apoio em audiência pública na Assembleia
- robertojunquilho
- 11 de dez.
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O deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Tarifa Zero na Câmara dos Deputados, defendeu que o transporte público, por garantir acesso a outros direitos fundamentais — como saúde, educação, trabalho e cultura — não deveria ser pago pelo usuário. A declaração foi feita nesta quinta-feira (11), em audiência pública na Assembleia Legislativa, organizada pela Comissão de Infraestrutura. Opinião semelhante é da professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Daniella Bonatto, ao lembrar que mobilidade urbana é um direito estruturante, com impactos diretos na saúde, na economia e na qualidade de vida.
O encontro foi conduzido pelo vice-presidente do colegiado, deputado João Coser (PT), e reuniu especialistas, gestores públicos. Durante a reunião, foram apresentados dados que ilustram o peso do financiamento público no sistema: o transporte metropolitano capixaba custa hoje cerca de R$ 1,3 bilhão por ano, dos quais 30% a 35% são subsidiados pelo Estado — aproximadamente R$ 380 milhões em 2024.
Em sua participação, Tatto disse que o “transporte é um direito essencial previsto na Constituição. Soa estranho que, para acessar esse direito, a pessoa precise pagar toda vez que entra no ônibus. Isso não acontece para entrar em uma escola, em uma creche ou em um posto de saúde”.
Destacou que o modelo baseado exclusivamente na tarifa paga pelo passageiro está “em colapso” e gera um ciclo vicioso: aumento de preço, queda no número de usuários, redução de linhas e piora do serviço. Ele também destacou que a tarifa zero já é realidade em 138 cidades brasileiras, além de experiências em diversos países, e anunciou que o presidente Lula (PT) autorizou estudos do Ministério da Fazenda para criação de um Sistema Único de Mobilidade, com responsabilidades compartilhadas entre União, Estados e Municípios.
“A dificuldade não é operacional. A dificuldade é política: decidir alocar recursos. Onde foi implantada a tarifa zero, o comércio aumentou seu faturamento de 20% a 30%. Ganha a economia, ganha o meio ambiente, ganha a qualidade de vida”, disse.
O deputado João Coser destacou que o tema vem sendo estudado no Brasil há décadas e que o debate sobre financiamento ganhou força com a autorização do governo federal para aprofundar o modelo. “Estamos falando de um serviço essencial. Assim como não existe saúde de graça, mas saúde pública, também não existirá transporte de graça — e sim transporte público, financiado por impostos e contribuições”, afirmou.
Coser lembrou que o sistema de mobilidade da Grande Vitória já passou por mudanças importantes nas últimas décadas e ressaltou que o modelo em debate precisa ser sustentável, sem criação de novos tributos. O parlamentar também reforçou o impacto econômico positivo: “As empresas vão pagar menos vale-transporte. Isso significa aumento de renda para o trabalhador, quase um 14º salário, que volta para o comércio e para a economia local”.
Governo do Estado
O subsecretário de Estado de Mobilidade Urbana, Leo Carlos Cruz, apresentou dados e explicou que o debate sobre tarifa zero precisa vir acompanhado de responsabilidade na gestão. Ele lembrou que o sistema metropolitano traz hoje características modernas — como contratos baseados em quilômetro rodado, e não em passageiro transportado — e que, quando o atual governo assumiu, havia um déficit acumulado de R$ 360 milhões, resultado de decisões equivocadas no modelo de subsídio.
“Não basta ter dinheiro. Sem gestão responsável, nenhum sistema se sustenta. Igualdade e equidade são princípios centrais: tarifa única para quem paga e gratuidades para quem precisa ser tratado de forma diferente”, afirmou. O subsecretário destacou ainda avanços recentes, como a renovação da frota: “Em 2019, não havia nenhum ônibus com ar-condicionado, hoje são 1.200. A meta é climatizar toda a frota nos próximos anos”.
Ufes
“Mobilidade não é um fim em si. Ela viabiliza o acesso à cidade. E nossas escolhas históricas privilegiaram o carro, gerando congestionamentos, poluição, desigualdade e longos tempos de deslocamento”, disse a professora Daniella Bonatto. Para ela, a pesquisadora, a política nacional de mobilidade urbana, de 2012, já orienta a priorização do transporte coletivo e da mobilidade ativa — mas essa mudança ainda ocorre de forma lenta.
Ela também criticou a falta de infraestrutura prioritária para ônibus na Grande Vitória: “Temos 1,8 milhão de habitantes na Região Metropolitana e grande parte trabalha em outro município. Sem corredores exclusivos e integração eficiente, todos são prejudicados, quem anda de ônibus, de carro ou a pé”.
Para Daniella, a tarifa zero dialoga diretamente com os princípios de universalidade e equidade: “Assim como não pagamos uma porcentagem para acessar o SUS, não faz sentido o acesso à cidade depender da renda. A tarifa subsidiada não resolve sozinha o problema: é preciso garantir eficiência, frequência, informação e prioridade viária”.
CUT
O representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT-ES) Fischer Marcelo Moreira dos Santos, afirmou que a pauta da tarifa zero é central para a classe trabalhadora e impacta diretamente a subsistência das famílias. Segundo ele, a ausência de gratuidade no transporte público representa, na prática, um mecanismo de exclusão. “Para nós, 6% do salário comprometidos com transporte é muito. E vale lembrar que, em muitas famílias, só uma pessoa trabalha e ela não paga só a própria passagem, ela precisa sustentar todos os outros membros da casa”, afirmou.
Fischer destacou ainda que o alto custo da tarifa limita o direito das pessoas à cidade. “O transporte não pode ser só uma lógica do capital, de levar o trabalhador ao emprego. Ele tem que ser uma garantia de vivência para que as pessoas possam usufruir dos serviços, das oportunidades e da vida urbana”. Ele lembrou que trabalhadores informais também sofrem diretamente com a tarifa, pois o valor gasto diariamente é retirado do pouco que conseguem arrecadar.
Para o dirigente, a conjuntura exige que o tema avance. “Se nós não aproveitarmos esse momento político para discutir pautas que interessam à classe trabalhadora, podemos perder oportunidades futuras. A CUT estará presente em todo debate que promova garantia social e condições dignas para quem move a economia deste país”.
Estudantes
O aluno do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) Miguel Laranja Monteiro avaliou que o valor da tarifa não é acessível para a maioria dos estudantes. “No começo do ano a passagem aumentou para R$ 4,90, que além de ser um preço impagável para a maioria dos estudantes, é um preço que vai ter sim um impacto no bolso do estudante”, lamentou.
“A gente no Instituto Federal tem contato com outras histórias de vida que talvez a gente não viva. Eu ouvi de um colega que ele não pôde levar o irmão dele na creche, que o irmão dele passou meses sem ir para a escola porque ele não tinha dinheiro para pagar a passagem do irmão e a passagem dele. São coisas que vão para muito além do que a gente pensa (...) que afetam o dia a dia, a educação, a saúde, que são direitos fundamentais, além do transporte que também é um direito social”, opinou o estudante.






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