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Violência contra idosos é responsabilidade de todos

  • robertojunquilho
  • 20 de nov.
  • 4 min de leitura

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Aída Bueno (E.)


Tem 53 anos e abandonou seu emprego para cuidar dos pais. Os vizinhos o consideram um homem bom, mas dizem que ele também é usuário de drogas. Na noite do último dia 18, o bom filho discutiu com o pai de 93 anos e o empurrou. Saiu de casa, voltou depois e tentou enforcar a mãe de 89 anos. A Polícia foi chamada e o homem que zelava sozinho pelos pais foi preso.


Não é enredo de novela. Aconteceu no bairro Itaquari, em Cariacica, vem acontecendo com incômoda frequência em várias cidades do Espírito Santo. Segundo a Polícia Civil, foram 674 casos de lesão corporal contra idosos no ano passado; outros 310 foram registrados de janeiro a junho deste ano. São dados irreais, porque em muitos casos as vítimas simplesmente não denunciam. Os vizinhos não denunciam.


Titular da Delegacia Especializada de Proteção à Pessoa idosa, a delegada de Polícia Civil Milena Gireli ressalta que a atenção a esse grupo deve ser responsabilidade de todos – amigos, familiares, vizinhos – todos tentando evitar que a situação escale a ponto de chegar a uma Delegacia de Polícia. Há como fazer a denúncia, de forma anônima, pelo Disque 100 ou pelo Disque-Denúncia 181.


Milena Gireli explica que – tal como acontece com crianças – a violência contra idosos muitas vezes acontece dentro do próprio lar, envolvendo familiares, principalmente filhos. Atinge todas as classes sociais, mas os registros de ocorrências são feitos geralmente por pessoas mais simples.


Foram 2.534 registros de Boletins de Ocorrência na Grande Vitória em 2024. De janeiro a setembro deste 2025, o número chegou a 2.281 boletins, lamenta a delegada. São denúncias de violências de toda sorte, que envolvem, principalmente, golpes, maus-tratos, ameaça, violência física ou financeira, esse último mais comum nas classes mais abastadas.


“Quando a gente fala de violência, a primeira coisa que a gente pensa é a violência física. Mas, dificilmente começa com a violência física”, salienta a delegada, acrescentando que é preciso intervir diante de ameaças, maus-tratos, violência financeira ou psicológica. “Oitenta por cento dos casos são de situações que acontecem dentro de casa”, alerta.


A própria vítima muitas vezes reluta em denunciar. Ou, quando chega à delegacia, não relata toda a situação. Isso porque o agressor normalmente é um filho, uma filha, um parente. Não raro, existe uma relação de dependência da pessoa idosa para com o/a agressor/a, o que dificulta a denúncia, explica a delegada.


“Não falo só de dependência de cuidados, mas de dependência emocional”, diz ela, acrescentando que a tendência dos pais e mães é proteger os filhos. Em outros casos, a pessoa reluta em se expor. “Muitas vezes o idoso fica com vergonha de denunciar. No golpe do amor, por exemplo, a vítima às vezes resiste em aceitar que está sendo vítima de um golpe. Muitas vezes deixa de acreditar nos familiares e passam a acreditar nos golpistas. Só vai acreditar quando o golpista some, ou quando perde muito dinheiro”, conta Milena Gireli.


A delegada adianta que ninguém na vida adulta – seja idoso ou não – está livre de cair em um golpe. Basta um momento de distração. Uma professora aposentada de 64 anos teve não só um momento de distração. Viu-se enredada em uma série de coincidências e perdeu R$ 10 mil em um golpe, no final do ano passado.


É uma mulher ativa, escreve livros didáticos. Conta que ligou para sua agência bancária e pediu a gerente para fazer uma transferência para sua conta. “Logo depois, uma pessoa ligou dizendo que era do banco, que para confirmar algo eu precisava fazer um depósito. Fiz dois pix de cinco mil cada”, disse.


Ela não se recorda de toda a conversa. Não tem o hábito de comprar medicamentos por telefone, mas naquele dia pediu. O entregador da farmácia chegou justamente quando ela estava falando ao telefone com o suposto funcionário do banco. Assim que desligou, sentiu que havia caído em um golpe.


“Coincidência ou não, eu tinha um título de capitalização e logo depois depositaram R$ 10 mil na minha conta, eu ganhei”, lembra ela. A professora fez um Boletim de Ocorrência e tentou dar continuidade à investigação, mas foi informada na Delegacia Especializada de Defraudações e Falsificações que só golpes envolvendo valores acima de R$ 14 mil são investigados.


“Você se sente enganada, idiotizada pela situação pela qual passou”, lamenta. “Estar falando com você aqui hoje está me dando a percepção de que eu superei isso, não estou com vergonha de falar. Mas, passei muito tempo envergonhada”, confessa. A vergonha, reafirma a delegada Milena, afasta muitas pessoas da delegacia.


A Polícia Civil do Espírito Santo é a única do Brasil que conta com um assistente social e um psicólogo para o atendimento às vítimas na Delegacia de Proteção à Pessoa Idosa. Milena Gireli salienta que muitas vezes o idoso tem dificuldade em reconhecer que está em situação de violência: “A pessoa vem pedir orientação de uma situação que é seríssima. Isso é próprio da fragilidade de um pai, uma mãe, que deixa de comer, deixa de se cuidar para dar para os filhos. E o assistente social tem uma visão muito particular, tem uma visão mais humana de tudo”.


Além disso, a delegacia investe em informação, intervindo junto a dois grupos de multiplicadores eficazes: crianças e adolescentes. Milena Gireli e sua equipe têm feito palestras em escolas públicas, um projeto que deve ser ampliado no ano que vem para atender até mesmo as particulares. “A escola que chamar, a gente vai”, garante.


Há palestras também para os idosos, onde são mostrados os diversos tipos de crimes, golpes, o estelionato sentimental, e apresentadas as formas de tentar se proteger. Milena Gireli adianta que ninguém na vida adulta – seja idoso ou não – está livre de cair em um golpe. Na delegacia onde atua, garante, não há julgamentos, ninguém avalia se a vítima foi imprudente ou não. “A gente nunca sabe o que o outro está passando. O que há é acolhimento”, reafirma.


Da mesma forma, sempre que são chamados para atender uma ocorrência os policiais são orientados a verificar todos os detalhes. “O policial que vai tem que abrir armários, abrir a geladeira, para realmente identificar se está tendo algum tipo de violência ou não. Miséria não é crime, e a gente tem que ter esse olhar carinhoso para a família. Às vezes, numa primeira visão, a gente vê um crime. Mas, na realidade, aquela família está precisando uma ajuda como um todo”, explica a delegada.

 
 
 

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