Base bolsonarista baixa o tom, mas não sai da “guerra santa”
- robertojunquilho
- 1 de dez.
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Atualizado: 2 de dez.
Roberto Junquilho
A chamada polarização, resultante de ataques permanentes da direita e da extrema direita, com raízes fincadas no nazifascismo, baixou o tom depois do início do cumprimento da pena de 27 anos e três meses imposta ao líder golpista Jair Bolsonaro e caterva. Para manter acesa a chama, os ataques ao governo e a instituições ainda ecoam nas igrejas evangélicas, nas ruas e em redes sociais, levados por lideranças comprometidas com o bolsonarismo, e bandos de "crentes" delirantes.
Como sempre, o alvo é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o sistema judiciário, particularmente o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, juiz que manteve a salvo a democracia, atuou segundo as normas constitucionais e livrou o país de uma nova ditadura, arquitetada nos mesmos moldes do sangrento e cruel golpe de 1964.
A ridícula e perigosa “guerra santa” envolve não apenas grupos neopentecostais e vai além do território brasileiro. Congregações históricas, como a Presbiteriana e a Batista, também entram na roda viva das fake news, como sempre usando textos bíblicos descontextualizados com a realidade.
Ignoram as pautas positivas do atual governo e aplaudem atos de violência que seguem o rastro do golpista, como a chacina do morro do Alemão, no Rio, a busca pela anistia e o autocrata Donald Trump, presidente do idolatrado Estados Unidos, que acaba de fechar o espaço aéreo da Venezuela, com impacto no continente sul-americano, para derrubar o "ditador" Nicolás Maduro.
É o mesmo modelo da guerra às drogas que dizima jovens pretos nas favelas enquanto o tráfico corre quase à solta. Nesta fase final do bolsonarismo, há provocações e confrontos por toda parte: nas igrejas, no Congresso e nas ruas. O líder do PL na Câmara e afilhado político do tresloucado pastor Silas Malafaia, o também pastor Sóstenes Cavalcante, esbraveja: "Se o governo quer guerra, terá guerra", e promete obstruir todas as pautas do Executivo. Esse clima é levado para as "ovelhas" nos chamados templos.
E assim garantem que a massa acostumada a gritar “Aleluia” por qualquer fala emitida do púlpito – “o pastor falou, tem que obedecer” -, mesmo que seja uma heresia, se mantenha passiva, submissa. Exemplo recente dessa "guerra" circula em redes sociais depois da prisão de Bolsonaro. No vídeo, compartilhado em grupos de evangélicos, aparece o pastor Hernandes Dias Lopes, que tem o título de reverendo, da 1ª Igreja Presbiteriana de Vitória.
Escritor, conferencista e bastante conhecido, inclusive no exterior, o pastor Dias Lopes, no vídeo, mostra Alexandre de Moraes abaixo dele com a legenda “Tudo o que está acontecendo está na Bíblia” e ordena: “Toda a igreja comigo” e em seguida chama os fieis a ler uma passagem do livro do profeta Amós (2:6), “Assim, diz o Senhor, por três transgressões de Israel e por quatro, não sustarei o castigo, porque os juízes vendem o justo por dinheiro. E condenam o necessitado por um par de sandálias”.
O pastor questiona: “E que acontece, a destruição da nação, quando o judiciário perdeu a sua referência de justiça e começa a ser um instrumento da injustiça. Porque, notem comigo, se os juízes vendem o justo por dinheiro, quem está comprando? Se alguém vende, alguém compra. Quem está comprando? Os poderosos. Aqueles que vão oprimir o pobre, (aparece a figura de Lula) aqueles que vão praticar injustiça, ou seja, a justiça tem lado. A justiça fez uma opção que não é pela justiça e não é pela verdade”.
Nesse trecho, o vídeo mostra a bandeira do Brasil, a balança da Justiça e o presidente Lula, o "comprador" da Justiça e aquele e vai "oprimir o pobre". É um repetição do mantra massificado desde as campanha eleitoral de 2018, seguindo o modelo da pós-verdade, das fake news, estratégia empregada por grupos autoritários desde tempos remotos.
Ao estimular as “ovelhas” a partir do texto de Amós, a fala do pastor Dias Lopes contradiz as palavras do profeta, dirigidas a Israel, nação idolatrada por determinados grupos evangélicos presos na letra morta e sem qualquer visão histórica, extremamente necessária, para manter a mensagem profética atualizada de forma correta. Amós critica a injustiça social dos governantes, a corrupção do judiciário e das elites da época.
Trazida para hoje, o profeta protesta contra um modelo de gestão igual ao de Jair Bolsonaro, condenado por vários crimes. Ele e seus auxiliares mais diretos, alguns militares de alta patente. A marca do seu governo, de acordo com o registro histórico documentado na imprensa, é o ódio, a maldade e a violência. Atentou contra as mulheres, os pretos, os indígenas, os homossexuais, os pobres, a imprensa, a soberania brasileira e colocou o País em um permanente cenário polarizado, permeado pelo medo. O Brasil, em sua gestão, retrocedeu em todos os índices, voltou ao mapa da fome na ONU e viu crescer o número de brasileiros portando arma de fogo, ícone de sua campanha.
Os crimes da organização liderada por elas comprovam essa afirmativa: Bolsonaro cumpre pena por chefiar uma organização criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com o agravante de emprego de armas, já que o plano de golpe incluía o assassinato de Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes; tentativa de eliminar o regime democrático por meio de violência ou grave ameaça; tentativa de derrubar um governo legitimamente constituído; dano ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Fora do processo pelo qual cumpre pena, existe outros sobre roubo de joias, apropriação indébita, responsabilização por mortes na pandemia da Covid 19, só para citar alguns.
Os atos de vandalismo foram gravados pelos próprios criminosos e formam um extenso volume de provas dos crimes cometidos, juntamente com vídeos de reuniões presidenciais, minuta de golpe, espionagem, desvios do Judiciário e declarações e comportamentos dos governantes. Some-se a isso a condução das investigações e do processo, com presunção de inocência, defesa plena e respeito ao Devido Processo Legal.
A citação de Amós se encaixa sem nenhum esforço na desastrosa gestão do apenado Bolsonaro, mas, de outro modo, perde totalmente o sentido se relacionada ao julgamento da organização criminosa que planejou o golpe, como faz o vídeo, ampliando o estímulo ao delírio da camada de evangélicos que permanece na "guerra santa". Seus inimigos são o fantasma do comunismo, o empoderamento dos pobres, a Justiça social. Tudo ao contrário do que ensinou Jesus.
Peças como essa enxovalham o evangelho e estimulam a histeria coletiva. Apesar de Bolsonaro estar no final de carreira e o bolsonarismo em vias de perder a influência e desaparecer, ainda podem ser observados clamores por seres extraterrestres, pessoas amarradas em postes ou marchando descompassado num “Ratimbum” desvairado, a contribuir para a polarização que sempre foi a bola da vez dos autoritários, desde 1933, na Itália e Alemanha, de triste memória, pelo assassinato de mais de seis milhões de judeus.
O Brasil escapou, a Justiça foi feita, pela graça de Deus, e, pela primeira vez, os criminosos golpistas estão na cadeia. Bolsonaro chora e soluça com medo da morte, talvez até se lembre, nesses momentos de desespero, das ocasiões em que disse que foi "treinado para matar", "a revolução (ditadura) deveria ter matado 30 mil" ou ainda quando, em transmissão por vários canais, debochou da falta de ar nas vítimas da Covid 19.
Agora, é o fim, a festa acabou, o povo sumiu, como disse o poeta. Vídeos e ameaças de guerra apenas mantêm a polarização, bem ao gosto dos extremistas, pois é o seu alimento, recheado de ódio, rancor e muita mentira.






Parabéns pelo artigo. Texto impecável e esclarecedor!